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Do Artista
TEORIA DO ERRO
"Partindo de uma proposta de se traçar uma linha reta a mão livre, ou qualquer
outra proposição euclidiana, e copiá-la sucessivamente até a margem do papel,
elaboro uma configuração visual que exprime a impossibilidade de precisão do
humano frente aos mecanismos de repetição."
Texto da Exposição Individual na
galeria do Ateliê da Imagem
julho/agosto de 2008
por Patricia Gouvêa
Art is not a show in itself. It’s a necessity.
Richard Tuttle
O título Showroom! poderia sugerir que esta exposição de Mauro Bandeira se tratasse de mero agrupamento despretensioso de obras desenvolvidas nos últimos anos pelo artista, como o fazem grandes lojas de mobília e objetos para atrair potenciais clientes que ainda não estão certos do que comprar.
Showroom! é, no entanto, como as duas palavras tomadas do inglês podem significar, além de seu sentido literal, um espaço à mostra, um laboratório de idéias, um local que convoca o espectador a experimentar os objetos criados pela necessidade de um artista: Venha! Olhe! – um convite e uma coragem.
Neste “espaço à mostra”, a linha se afirma como fio condutor para a pesquisa de Bandeira, saltando do plano da tela para os relevos sobre papel, criando destas topologias em branco novos papéis milimetrados que brincam com suas preferências artísticas, daí tornando-se maleável como o tecido até criar, para seu próprio deleite, um novo alfabeto – todo um repertório de novas leituras e desarranjos para o que normalmente designamos desenho.
A linha, desde a série Teoria do Erro, é o mote usado pelo artista para mostrar que todo código e todo sistema, por mais rígidos que pareçam, conceitualmente e tecnicamente, estão sujeitos ao imprevisível, ao inusitado, ao lúdico, ao orgânico que contamina o inorgânico e gera vida.
Os objetos gerados por Bandeira são imagens que um dia foram idéias. Eles são realidades que transcendem a realidade, presenças que devem ser experimentadas para além de suas referências artísticas e seus starts conceituais.
Assim como o estado gerado por longos períodos de meditação – atividade praticada diariamente pelo artista – sua obra deixa vir à tona a essência de tudo que é e está escondido sob os véus de maya, a ilusão cósmica.
As superfícies-objeto, que aqui se apresentam, resultam do mergulho do artista para dentro de si e de sua poética, nascidas daí, como pequenos mundos em si, despidos de personalidade e de identificação: como alephs, pontos que podem conter em si todo o universo.
Patricia Gouvêa
julho / 2008
Texto da Exposição Individual na
galeria Maria Martins - mai/jun de 2005
por João Wesley
Geometria
Sagrada, Experiência Sensível
Geometria Sagrada, Experiência Sensível
Em uma circulação generalizante pelas presenças visuais desta exposição de Mauro Bandeira, é clara a referencia minimalista e construtiva. A essencialidade destas imagens deflagra de imediato, a idéia de redução e o gesto repetitivo, que trazem à tona a ênfase serial tão marcante nesta concepção de arte. Porém a leitura destas obras não se restringe a esse único prisma. A “objetividade” minimal talvez possa ceder lugar à especulação expansiva, tão comum nos nossos dias.
Ao “contemplar” estas imagens recentes, uma atmosfera de mistério é a princípio inevitavelmente suscitada. Superfícies onduladas e convergentes para um centro comum, nos remetem imediatamente às gravações rupestres nos lugares sagrados dos antigos celtas, imagens que repousam sobre a pele das rochas nas construções megalíticas da longínqua Europa perdida nas curvas do tempo. Suas massas, verdadeiros campos visuais de energia, constituídas de linhas delgadas e paralelas, quando seguidas pelo olhar, sempre nos levam de volta ao ponto de partida, gerando um circuito fechado de infinita circulação. Este percurso detém a capacidade de provocar uma leve vertigem que, em si, nos fazem lembrar o efeito e a função da grafia ritual Maori, um outro elemento também perdido na imensidão do oceano Pacífico. Porém este breve devaneio sobre o território da magia e de seus mecanismos indutivos cessa, e é rapidamente substituído por claras noções lógicas que se seguem, quando nos pomos a fruir as obras, pela via dos diversos instrumentos inteligíveis de leitura ali dispostos. Em suas estruturas concêntricas, como o próprio termo já indica, quando a fruição segue o sentido das áreas mais movimentadas para as mais calmas, revela-se aí, o seu sistema construtivo. Descobrem-se então no centro ou na periferia das configurações, as linhas de chamada traçadas a mão que dão sempre origem à forma acabada.
Permitir que o olhar vague sobre estas imagens-superfícies, equivale para o observador, a possibilidade de experimentar e compreender os fundamentos gramaticais que estruturam e fazem acontecer esta geometria sagrada. A passagem da noção de previsibilidade das linhas iniciais de referência para a “aparição” das sutis linhas posteriores, viabilizadas pela inflexão das direções do gesto repetitivo, nos orienta, a meu ver, para a questão central que permeia a poética deste artista. Temos então uma imagem iniciada pelo principio da aplicação do gesto disciplinado, que no seu andamento, acrescenta o “erro” multiplicado, implícito nas limitações do mecanismo do corpo humano. Como conseqüência imediata deste procedimento, novas direções que não foram projetadas são percebidas. Tais aparições reforçam a idéia de que Mauro Bandeira foi seduzido pela hesitação que reside e transita entre o previsível e o inusitado.
Resta-nos então indagar, até quando estes segredos da causalidade, sem decifração, estarão fora do reconhecimento que a experiência da arte possibilita alcançar sobre o a priori? Seja bem vindo Mauro Bandeira, a arte e a cultura contemporânea aguardam ansiosamente os seus novos matemáticos.
maio/ 2005
Texto da Exposição Individual na
galeria Lana Botelho - out/nov de 2004
por João Wesley
O Erro como Princípio
Suficientemente distante da mera objetividade
formal como única possibilidade de leitura, as imagens de Mauro Bandeira
suscitam outras questões que terminam transbordando o escopo interpretativo
gerado na imediaticidade da primeira vista. Muito além da concepção de carta
planaltimétrica, que é em si uma representação planar de uma possível
configuração tridimensional, as superfícies topológicas de Mauro Bandeira também
poderiam nos remeter na direção do evento randômico. O jogo entre a
previsibilidade lógica de um sistema e sua tendência natural ao descontrole, o
aleatório, toma aqui, em tese, o centro da inclinação poética do artista.
Iniciar um trabalho neste caso, é para o artista
um propósito disciplinar. Tal atitude tem como objetivo enfatizar o campo de
tensão que se instaura entre a tentativa do gesto repetitivo em reproduzir a
reta ou ponto referência, e a constatação da impossibilidade que se apresenta no
andamento. A aparição da imagem final sempre nega a intenção primeira. Preencher
um suporte planar até a borda (ou o seu contrário) a partir de uma linha ou
ponto relativamente rigorosos, é jogar com um campo de probabilidade onde tudo é
possível e ao mesmo tampo não. As silenciosas imagens-superfície de Mauro
Bandeira são, em verdade, testemunhos do caráter disciplinar de seu trabalho e
da incapacidade humana à perfeição mecânica.
Mauro Bandeira com suas imprecisões
multiplicadas, redescobre no fazer metódico do atelier a própria teoria do erro,
e sua consciência, a posteriori, faz dela o seu princípio.
out/2004
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